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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O Assédio Moral Sob o Prisma da Insalubridade

* por Daniel Veiga Pessoa.


A Organização Internacional do Trabalho, integrante do sistema das Nações Unidas, vem admitindo, depois de muita reluta, a preocupação com os efeitos do assédio moral sobre os indivíduos.

Nesse sentido, a doutrinadora Candy Florêncio Thome, em sua obra, traz a visão da OIT sobre o mal do psicoterror. Leia-se:

Em 2000, a Organização Internacional do Trabalho publicou um informe sobre a violência no trabalho, repudiando a agressão psicológica estudada e estabelecendo suas condutas mais comuns, a saber: medida destinada a excluir uma pessoa de uma atividade profissional, ataques persistentes e negativos ao rendimento, pessoal ou profissional sem razão, manipulação da reputação pessoal ou profissional de uma pessoa mediante rumores e ridicularizarão, abuso e poder por meio do menosprezo persistente do trabalho da pessoa ou a fixação de objetivos, com prazos inatingíveis ou pouco razoáveis, ou a atribuição de tarefas impossíveis, controle desmedido ou inapropriado do rendimento de uma pessoa.
Vê-se, pois, que o assédio moral e as conseqüências para a saúde dos trabalhadores preocupam as organizações internacionais. O mundo está voltado para as patologias sociais e suas conseqüências para o homem e, por isso, o assédio moral necessita cuidados especiais como se doença ou acidente decorrente do trabalho fosse, sendo a exposição contínua e prolongada motivo de trabalho em condição insalubre. Nesse aspecto, o psicoterror merece atenção, também, do ramo do Direito Sanitário do Trabalho (profissionais médicos e psicólogos) e Direito Previdenciário.

Em verdade, é importante atentar para o dinamismo social e a ausência de legislação que trate do psicoterror na seara trabalhista. Ora, se já existem estudos e pesquisas que comprovam os males causados pelo assédio moral, não há como negar a possibilidade futura, justamente pela evolução da humanidade e das ciências sociais e médicas, de enquadrar a violência cotidiana do ambeinte de trabalho nos quadros de atividades insalubres. Mesmo porque, a CLT dispões o que segue:

Art. 60. Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”, ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministério do Trabalho, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim.
Art. 189. Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da intensidade do agente e do tempo de exposição.
Como se depreende dos dispositivos citados, a exposição do trabalhador de forma prolongada e repetitiva ao abuso e prática do assédio moral, pode e deve vir a ser enquadrada como labor fora das condições saudáveis no ambiente de trabalho. A vítima do mobbing tolera diariamente agressões que minam sua saúde mental, refletida na saúde física como aumento da pressão arterial, dores de cabeça, fadiga física, levando, inclusive, em casos extremos, a vítima ao suicídio, justamente por duvidar de si mesmo e de suas capacidades e valores como ser humano que é, antes mesmo de ser um empregado.

É bem verdade que no artigo 190, também da CLT, o legislador infraconstitucional deixou para regulamentação ministerial do trabalho o enquadramento de tais atividades insalubres. No entanto, interpretando-se de forma extensiva os artigos 60 e 189 da Consolidação das Leis Trabalhistas, pode-se entender que tanto os peritos (seja da área médica ou da psicologia) como os entendimentos jurisprudenciais podem, justamente pelo dinamismo social e evolução no que diz respeito ao enquadramento de novéis agentes nocivos (passar-se-ia a considerar agente nocivo não só as substâncias químicas ou anormalidades nas condições de temperatura e pressão, mas também o fator externo das agressões diárias sobre o trabalhador) considerar que a vítima do assédio moral, de certo modo, labora em atividade insalubre. Se assim não fosse, não haveria prejuízo à saúde do empregado.

Notadamente quando menciona “agente nocivo”, o legislador preocupou-se em limitá-los em substancias químicas e/ou fatores físicos. Ora, se a exposição a tais agentes causam danos irreversíveis por prejudicarem a saúde do trabalhador, parece salutar também identificar o trabalho sob pressão psicológica como trabalho insalubre, ou seja, a violência no ambiente de trabalho torna o ambiente ausente de condições propícias à saúde.

Comunga do mesmo entendimento (de que há a possibilidade do enquadramento do psicoterror em atividades insalubres por parte do Ministério Público do Trabalho) o juiz Rodrigo Dias da Fonseca , ao lecionar o que segue:

Ora, se a prática de atos que configuram o assédio moral no local de trabalho provocam danos à saúde dos empregados; se doenças profissionais, na forma da lei, são desenvolvidas a partir dessa nefasta ação contínua; e se há evidente prejuízo ao meio ambiente de trabalho, então o Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para atuar com o fito de exigir a observância das normas de segurança e medicina do trabalho, bem como de prevenir, afastar ou minimizar os riscos à saúde e integridade psíquica e física dos trabalhadores, velando pela proteção dos direitos constitucionais (Lei 75/93, art. 6º, inciso VII, alínea a) e pelo cumprimento das normas referentes ao meio ambiente de trabalho (LC 75/93, art. 6º, inciso VII, alínea d e inciso XIV, alínea g).
Sob esse aspecto, o caput artigo 8º, também da CLT, fundamenta juridicamente esse entendimento. In verbis:

Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
A interpretação do referido artigo segundo Valentim Carrion é a que melhor reflete os ensinamentos sobre tais argumentações. Sendo a seguinte:

A aplicação da norma jurídica, em cada momento, não desenvolve apenas o dispositivo imediatamente específico para o caso, ou o vazio de que se ressente; considera-se todo o universo de normas vigentes, os precedentes históricos, a evolução da sociedade, os conflitos das leis no espaço, no tempo e na hierarquia e os princípios, mesmo que não haja omissão da norma ou do contrato. “As normas especiais resultam sempre incompletas de algum modo” (Carlos Molero Magano, “La suplerioridad em el derecho del trabajo”, Madrid, 1975), ou melhor, todas as normas jurídicas são incompletas, posto que necessitam das demais e são abstratas, enquanto o caso é concreto. Como em cada área do Direito as normas dos outros ramos somente se recebem após atender-se o dispositivo imediato, que é o do Direito do Trabalho, aqui essa admissão tem de considerar a “tensão existente entre os princípios individualistas do direito civil e os sociais do direito do trabalho”... Sua tutela principal se resume em a) norma mais favorável; b) condição mais benéfica; c) primazia da realidade.
Deve-se, portanto, levar em consideração o aspecto conceitual de insalubridade, deixando que os peritos profissionais respondam o nível de prejuízo causado à vítima.

Ainda fundamentando a possibilidade de incidência do adicional de insalubridade sobre o salário do empregado quando promover reclamação trabalhista pleiteando os títulos e cominando os pedidos com a indenização por assédio moral, parece não haver problemas, exceto quanto à exegese das normas já existentes.

Ora, se está consagrado o direito à saúde na Carta Magna, como direito social que é, especificamente no art. 6º, com segurança do art. 196, quando visa à redução do risco de doenças e de outros problemas relacionados, bem como de forma conjunta o art. 200, VIII também do texto constitucional garante um meio ambiente equilibrado, inclusive o ambiente de trabalho e, sabendo-se que a exposição das vítimas às agressões sofridas prejudicam à saúde, não só física como psíquica, necessitando tratamento, não resta dúvidas quanto ao caráter insalubre de tal exposição prolongada.

Nesse mesmo diapasão, é sabido que a cumulação de reparação trabalhista e reparação civil foram resolvidas, pelo Supremo Tribunal Federal, de modo a considerar ser cabível a dupla indenização, a teor do art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal de 1988, sempre que o dano atingir mais de uma das facetas da integralidade da personalidade. Tal possibilidade dá-se porque esses danos são autônomos entre si.

Então, justificado está a possibilidade de se pedir os devidos reflexos por motivo de insalubridade nas verbas rescisórias, quando da inserção do assédio moral no rol de expedientes insalubres.

Justamente pela ausência de legislação específica sobre o tema é que se deve aplicar as disposições existentes e interpretá-las de forma a tutelar o trabalhador e não o contrário, até que, algum dia, as autoridades do Poder Legislativo voltem seus olhares novamente para o trabalhador, como se fez em 1º de maio de 1943.

Sob o fundamento desse raciocínio provém a interpretação do assédio moral como doença do trabalho, posto haver gênese no trabalho e em função do trabalho.

A OIT em conjunto com a OMS (Organização Mundial de Saúde), traz o conceito de saúde no trabalho, cuja finalidade é fomentar o bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores, adaptando-se o trabalho às pessoas e não o contrário. Extirpou-se, assim, o velho conceito de que a intervenção médica deveria se dar apenas para afastar a invalidez decorrente de doença profissional, sem qualquer caráter preventivo.

A mesma OIT deixou de fora o assédio moral da lista de doenças profissionais, mesmo sendo considerado como fenômeno causador de transtornos mentais pelos peritos trabalhadores, não sendo aceito pelos peritos empregadores.

Assim ensina em sua obra a juíza do trabalho Candy Florêncio Thome , ao tratar desse assunto. Observe-se:

A proposta de redação da lista de doenças profissionais efetuada pelos peritos governamentais e pelos peritos trabalhadores continha o item 2.4.2 redigido da seguinte forma: outros transtornos mentais ou do comportamento não mencionados no ponto 2.4.1 anterior, quando se tenha estabelecido um vínculo entre a exposição a fatores de risco que resulte da atividade laboral e o transtorno mental padecido pelo trabalhador. Na proposta de lista dos peritos empregadores, não há tal item.

Na mesma obra é exposta a questão da saúde pela Declaração da 11ª Reunião do Comitê Misto OIT/OMS de 1992, na qual considerou que a saúde da mão-de-obra de um país é um recurso inestimável e que programas de saúde no trabalho que sejam capazes de atingir e manter o nível de saúde da população ativa mais elevado são essenciais para reafirmar a economia nacional e alcançar um desenvolvimento sustentável.

Somente quando o mal tomar proporções maiores, é que se verá a aprovação em caráter emergencial de legislações que tratem do tema e viabilizem facilidades em defesa do trabalhador, inclusive com a inversão do ônus ou distribuição da prova, em relação a esse mal social, tal qual aconteceu com o Código de Defesa do Consumidor quanto às relações consumeristas.

Vários são os danos provocados pelo assédio moral na saúde do trabalhador, seja dano físico ou psicológico, bem como incontestável e latente é o prejuízo à economia e produtividade da empresa.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Cf. www.oit.org. Acesso em: 04/10/2008.

THOME, Candy Florêncio. O assédio moral nas relações de emprego. São Paulo: LTr, 2008, p. 63.

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 31. ed. atual. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 118.

FONSECA, Rodrigo Dias da. Assédio moral: breves notas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1328, 19 fev. 2007. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2008.

OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira de, apud, THOME, Candy Florêncio. O assédio moral nas relações de emprego. RDT: Revista do direito trabalhista, Brasília: Consulex. n. 6, p. 8-15, jun. 2008, p.13.