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terça-feira, 21 de julho de 2009

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E PROBIDADE PROCESSUAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E PROBIDADE PROCESSUAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Daniel José de Brito Veiga Pessoa[1]

RESUMO:

O presente trabalho tem como objetivo abordar sinteticamente a litigância de má-fé, vista sob o prisma da probidade processual e do princípio da razoável duração do processo, notadamente com as possíveis sanções que o litigante mal intencionado possa vir a receber e as conseqüências trazidas para o andamento processual, diante da inobservância de determinados preceitos, prejudicando, assim, a celeridade processual prevista na Constituição.

PALAVRAS-CHAVE:

Litigância de má-fé. Probidade. Processo. Princípio. Duração razoável do processo. Constituição.

1. PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO.

O Poder Judiciário, diante das atribuições constitucionais, não foge à aplicabilidade dos princípios inerentes à administração pública, notadamente quanto aos princípios da economia e publicidade.
A publicidade dos atos processuais deve ser corriqueira, salvo os casos sigilosos previstos em lei, principalmente em relação às decisões proferidas pelos agentes investidos na jurisdição, refletidos assim na pessoa do juiz.
Para o Poder Judiciário é importante verificar na prática dos atos a economia não só financeira, mas temporal (celeridade) no que tange ao exercício dos atos de seus agentes, de maneira que a prestação jurisdicional se dê em tempo mais hábil sem prejuízo da segurança jurídica que deve envolver os litígios ao Judiciário apresentados.
Note-se que celeridade e economia estão inseridas em um princípio de maior abrangência, qual seja, o princípio da razoável duração do processo.
O princípio está previsto no artigo 5º, LXXVIII, agregado ao texto constitucional pela Emenda Constitucional 45/2004. Passando-se, portanto, a princípio constitucional qual merece total atenção pelos órgãos dos três Poderes, notadamente pelo Judiciário.
Dessa maneira, constata-se, de forma pragmática, que os magistrados devem formar suas decisões pautadas nesses princípios, respeitando-se inquestionavelmente outros fatores que cercam os casos concretos como a hipossuficiência e vulnerabilidade tanto material quanto processual de alguns litigantes.
Pois bem, pelo princípio da duração razoável do processo, todos possuem direito à minimização temporal na solução dos litígios apresentados, seja na esfera legislativa, executiva ou judiciária.
Nos dizeres acima expostos, leciona MARINONI[2] em sua obra notável e atual, in verbis:

"Esse direito fundamental, além de incidir sobre o Executivo e o Legislativo, incide sobre o Judiciário, obrigando-o a organizar adequadamente a distribuição da justiça, a equipar de modo efetivo os órgãos judiciários, a compreender e a adotar as técnicas processuais idealizadas para permitir a tempestividade da tutela jurisdicional, além de não poder praticar atos omissivos ou comissivos que retardem o processo de maneira injustificada."

Verifica-se, pois, a importância da adequação do Poder Judiciário, para que se possa prestar aos jurisdicionados e a todos que buscam a prestação jurisdicional uma efetiva solução de maneira rápida e segura, sem prejuízo da análise de cada caso concreto, quando estes merecerem maiores digressões e exigirem maiores discussões processuais.
Sob esse enfoque que se desdobram, pelas partes, comportamentos e atitudes processuais quando não reprováveis, passíveis de sanções, tais quais a litigância de má-fé e a ausência de lealdade ou probidade processual, conforme se demonstrará a seguir.

2. A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E A PROBIDADE PROCESSUAL

2.1. A litigância de Má-Fé e o Contempt of Court.

A litigância de má-fé está intimamente ligada ao dever de lealdade ou probidade processual a que todos os participantes do processo devem obedecer.
Por esta razão, labora em litigância de má-fé o sujeito que não observar os deveres de atender às ordens judiciais e criar dificuldades à concretização da prestação jurisdicional.
Em comentários ao artigo 14 do Código de Processo Civil o processualista José Roberto dos Santos Bedaque trata sobre o assunto de maneira clara e concisa. Vejamos:

"8. Litigância de má-fé e ato atentatório à efetividade da tutela jurisdicional. Ao enumerar os deveres das partes e de seus procuradores, o legislador processual deu ênfase ao princípio da probidade, segundo o qual não se admitem a formulação de pretensões sabidamente infundadas, nem a conduta destinada a protelar de forma indevida a entrega da tutela jurisdicional." [3]

Nota-se que aquele que tenta prejudicar ou retardar dolosamente a prestação jurisdicional final, age com deslealdade processual, e está passível de ser punido pela prática de litigância de má-fé, que ora dá ensejo à contempt of Court, ora enseja tão somente deslealdade, conforme continua a lecionar BEDAQUE. Verbis:

"[...] Está o legislador decidido a dotar a tutela jurisdicional de efetividade. Para alcançar esse objetivo, previu sanção específica para o descumprimento do dever de atender às ordens judiciais e não criar embaraços à efetivação da tutela jurisdicional. Quem violá-lo estará praticando ato atentatório ao exercício da jurisdição e ficará sujeito, além de sanções civis, criminais e até mesmo processuais, a multa correspondente a, no máximo, 20% do valor atribuído à causa. Para fixá-la, o juiz levará em conta a gravidade do ato. É a adoção, ainda que de forma moderada, de medidas destinadas a evitar a contempt of Court do direito anglo-saxão, ou seja, resistências injustificadas ao comando emergente da sentença ou a ordens judiciais.
[...] Eventuais atos protelatórios, ainda que embaracem a eficácia de decisões sem caráter antecipatório proferidas no curso do processo, podem configurar litigância de má-fé, não contempt of Court[...] a ofensa à atividade jurisdicional [...] ,todavia, somente se caracteriza se violado o disposto no inciso V do art. 14, tal como estabelece o parágrafo único desse mesmo dispositivo. Daí a conclusão de que a sanção pela contempt of Court só pode ser aplicada se a parte não cumprir tutelas mandamentais ou criar embaraços à efetivação prática de outra modalidade de tutela jurisdicional final."[4]

Com tais ensinamentos conclui-se que a litigância de má-fé (tipificação nos artigos 17 e 18 do CPC) difere da contempt of Court, porquanto a segunda diz respeito à violação da atividade jurisdicional quanto à efetivação de tutelas finais ou quando os efeitos destas são antecipados, enquanto a primeira diz respeito aos atos protelatórios sem efeitos antecipatórios praticados no curso do processo.

2.2. A Probidade ou Lealdade Processual.

A atividade pública do juiz deve resguardar a seriedade da jurisdição impedindo atos atentatórios à dignidade da justiça, de maneira que a obtenção da vitória judicial deve ser fruto do equilíbrio das armas utilizadas e da preponderância do melhor direito, mesmo porque o ordenamento jurídico não protege iniqüidades.[5]
O processo é eminentemente dialético, como já é sabido, sendo reprovável que as partes se sirvam dele faltando ao dever de verdade, agindo deslealmente e empregando artifícios fraudulentos.[6]
Destarte, pode-se conceituar tal princípio como a imposição aos deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo.[7]
Como demonstrado, no início do presente trabalho, a atuação da Justiça, como órgão integrante da administração pública, não foge também aos princípios a estes inerentes, diferenciando-se apenas e tão somente da probidade processual por envolver todos que participam da cadeia litigiosa (partes, juízes e auxiliares da justiça; advogados e membros do Ministério Público), de maneira que a probidade administrativa apenas se aplica aos agentes da administração.
Certamente que os reflexos da ética traçam estreitos laços com o princípio ora estudado, diante da obrigatoriedade da prática dos preceitos de boa-fé também na seara processual. Dessa maneira, agindo nos estritos moldes da boa-fé, as partes facilitam em sobremaneira a prestação jurisdicional, diminuindo o risco de equívocos ou cometimento de injustiças praticadas no mundo real, mas que para o mundo processual pareceu fazer-se justiça.
Conforme ensinamentos que seguem, o objetivo do processo merece ser alcançado e os atos contrários a prestação jurisdicional merecem repúdio. Seguem os ensinamentos:

"[...] a relação processual, quando se forma, encontra as partes conflitantes em uma situação psicológica pouco propícia a manter um clima de concórdia; e o processo poderia prestar-se, mais do que institutos de direito material, ao abuso do direito. As regras condensadas no denominado princípio da lealdade visam exatamente a conter os litigantes e a lhes impor uma conduta que possa levar à consecução de seus objetivos."[8]

Daí surgir o liame entre o dever de probidade ou lealdade processual com a conduta de litigância de má-fé, que se sintetiza, às vezes, justamente, pela falta de observância ou desrespeito ao dever de lealdade processual.

CONCLUSÃO

Verifica-se, então, que a inobservância aos princípios ora estudados, além de gerar sanções pela tipificação da litigância de má-fé, são empecilhos reais à prestação jurisdicional, prejudicando, sem dúvidas que se acometa, a duração razoável do processo.

REFERÊNCIAS

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de processo civil interpretado. Antonio Carlos Marcato, coordenador. São Paulo: Atlas, 2004.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, v. I. 15. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et al. Teoria geral do processo. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. rev. e atual. 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, v. 1. 3. ed. ver., atual. e ampl., 3. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.





[1] Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. rev. e atual. 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 222.
[3] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de processo civil interpretado. Antonio Carlos Marcato, coordenador. São Paulo: Atlas, 2004, p.86.
[4] Ibidem, p. 87.
[5] FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p. 517.
[6] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et al. Teoria geral do processo. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.77.
[7] Ibidem, p. 77.
[8] Ibidem, p.78.